Wednesday, June 08, 2016

Camilo Pessanha: "Floriram por engano as rosas bravas"

Apresento-lhes mais um poema daquele homem entre mundos, Camilo Pessanha. Geralmente dizemos que uma pessoa está entre dois mundos, mas no caso de Pessanha temos um homem entre um conjunto de muitos mundos contrários: os do Ocidente e do Oriente, do metrópole e da colônia, dos deveres do funcionário público e do estetismo, do exílio e do integração. Obviamente, esta série de díades não basta para esboçar um retrato completo de Pessanha (ou, na verdade, qualquer pessoa, coisa, ou ideia, porque não vivemos num mundo binário).

Este poema é, espantosamente, um que nunca li até há poucos dias. Pensei que tinha lido todos os poemas de Clepsidra, mas estava enganado. A ortografia é moderna, mas a pontuação da versão portuguesa está em acordo com a versão de 1920 de Edições Lusitânia (que não usa o circunflexo no seu nome!). Como de costume, não ha título próprio, e por isso uso a primeira linha do poema.

Agora, na cúspide do verão, pode-se dizer que um poema sobre a neve do inverno não faz sentido, mas que poderia fazer? Espero que vocês gostem do poema e a sua tradução para inglês. Vou escritar mais em breve, porque o dia de Portugal, de Camões, e das Comunidades Portuguesas (10 de Junho) está a chegar!

Obrigado e adeus, caros leitores!

Abraços,
D.A.S.

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I give you another translation of a poem by that man between worlds, Camilo Pessanha. We usually speak of a person being between two worlds, but in Pessanha's case we have a man between a set of conflicting worlds: East and West, homeland and colony, the duties of the public servant and and aestheticism, exile and integration. Obviously this series of dyads doesn't suffice to sketch a full picture of Pessanha (or, really, any given person, thing, or idea, because the world isn't binary).

Surprisingly, I hadn't read this poem until a few days ago. I thought I'd read every poem in Clepsidra, but I was mistaken. The spelling is updated, though the punctuation remains true to that found in the 1920 Edições Lusitânia (which on the book's title page doesn't use the circumflex!) version. As usual, the poem doesn't have a proper title, so I've used the first line instead.

Now that we're on the cusp of summer, a poem about the snows of winter might not make sense, but what can you do? I hope y'all enjoy the poem (in both of its forms), and I'll be writing again soon, as Portugal Day is coming up on the 10th.

Thanks for reading, and take it easy, folks.

Yours,
D.A.S.

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"Floriram por engano as rosas bravas"
Camilo Pessanha


Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze — quanta flor — do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

***

"By mistake the wild roses bloomed"
Camilo Pessanha

By mistake the wild roses bloomed
In winter: the wind came and stripped away their leaves...
What are you pondering, my darling? Why do you silence
The voices with which you fooled me just now?

Lunatic castles! How soon you fell!
Where are we going, lost in thought,
Hand in hand? Your eyes, which for a moment
Looked deeply into mine, how sad they are!

And over us the snow falls, bridal,
Deaf, triumphant, petals lightly
Covering the floor in the acropolis of ice...

It is like a veil over your face!
Who scattered them — so many flowers — from the sky,
Over the two of us, over our hair?


1 comment:

Anonymous said...

Very nice!